segunda-feira, 31 de março de 2014

Evangelho fast-food

Por Natan Teodoro


Primeiramente é pertinente perguntar como surgiu este tema. Pois bem, estava analisando o teor das pregações e raros estudos bíblicos que se dão nas vias midiáticas, tais como, a televisão, o rádio, as revistas e a internet, e também através das igrejas, neste caso os discursos públicos proferidos pelos "ministros da palavra", nesta observação, que não foi tão profunda e nem muito acadêmica, mas com algum senso de criticidade, pude notar a fragilidade, a incoerência, a superficialidade, a incongruência, a corruptibilidade e a impertinencia dos conteúdos pregados por muitos dos grandes nomes do meio cristão, neste caso os pregadores e pregadoras que estão transmitindo suas mensagens via mídia tornam-se os alvos mais notáveis.

Porém, surge uma interpelação neste tema, porque o nível das pregações e discursos anunciados principalmente nas comunidades cristãs está tão baixo? Nível teológico baixo, nível de espiritualidade quase inexistente (neste caso espiritualidade é a vida pessoal e comunitária em comum contexto com a pregação do evangelho), nível missiológico precário (missiológico no sentido do Reino de Deus como uma prática necessária), e quase que totalmente incoerente e desnecessário.

Hoje vivemos numa cultura de mercado, ou seja, é necessário que o seu produto agrade os consumidores para que os mesmos o adquiram, nisto as igrejas apelam para o chamado "aquilo que o povo gosta" ou "aquilo que o povo quer", e este processo atinge as músicas cantadas nas igrejas, as orações, os projetos, o planejamento e não obstante as pregações. Neste caso as pregações ou discursos tangem para um apelo capitalista do "deus banqueiro", ou seja, aquele deus que esta pronto a negociar um empréstimo, um financiamento, a abertura de uma conta em seu banco, basta apenas pagá-lo com orações, adorações, dízimos e ofertas e etc, lembrando que o deus do dinheiro e da prosperidade na Bíblia é Mamon (Mateus 6, 24).

Nisto a mensagem do evangelho se torna um fast-food, ou seja, aquele alimento rápido, saboroso, barato, porém, de baixo teor vitamínico, pelo contrário gorduroso e prejudicial a saúde, com um curto prazo de validade e que tem consequências desastrosas como obesidade, fraqueza, diabetes, pressão alta e muitas outras doenças. Quando na realidade o evangelho deveria ser servido como um jantar bem caprichado, saudável, com vitaminas de sobra para que a saúde espiritual, teológica, intelectual e até a carnal fosse de uma melhor qualidade.

Este é um dos motivos pelo qual os cristãos e cristãs de hoje são muito fracos na fé e na maturidade, gostaria de citar um texto bíblico:
"E eu, irmãos não vos pude falar como a espirituais, mas como a carnais, como a criancinhas em Cristo. Leite vos dei por alimento, e não comida sólida, porque não a podíeis suportar; nem ainda agora podeis."
I Coríntios 3, 1-2.

Tomando este texto de forma pontual gostaria de comentar que o apóstolo Paulo não podia dar um alimento sólido para os cristãos e cristãs de Corinto pela sua carnalidade, neste sentido é necessário olhar para os próximos versículos para entender o porquê da carnalidade dos tais irmãos:
"Porquanto ainda sois carnais; pois, havendo entre vós inveja e contenda, não sois porventura carnais, e não estais andando segundo os homens?"
I Coríntios 3, 3-4.

O motivo da acusação de Paulo era as mediações carnais para as situações cotidianas de uma comunidade, pois, o conflito gerado (descrito em I Coríntios 3, 5-23, e não cabe aqui detalhar) era recebido com inveja e contendas. Trazendo para os nossos dias, hoje os pregadores não dão alimento sólido para as pessoas não porque tais não aguentariam, mas porque não querem ou não podem.

Não querem porque a solidez de um alimento causam mudanças estruturais nas pessoas, modificações estas que levam um processo para se firmarem, e todo processo de mudanças causam crises, as crises por sua vez geram trabalhos, principalmente para os líderes, que tem "preguiça" de trabalhar intensamente num processo que trará benefícios maiores dos que as remediações feitas nos púlpitos das igrejas. Não podem porque muitos dos tais pregadores não podem aguentar o alimento sólido, são imaturos e infiéis, por este motivo não podem.

Com tais palavras considero que o texto tem por pretensão não concluir o tema, pois, é um tema muito amplo pra poucas palavras que mencionei, mas mudar o foco, onde a mensagem do evangelho e as mudanças estruturais devem ser o horizonte das pregações e não remédios e receitas mágicas que não resolvem o problemas, mas o pioram.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Carna Vale: Adeus à carne?

Por: Natan Teodoro


Estamos numa sexta-feira as vésperas de um "feriadão" prolongado, menciono feriadão com aspas porque no estado de São Paulo carnaval não é feriado, e sim, ponto facultativo, tanto é que, em alguns locais de trabalho haverá expediente, e, se não houver trabalho serão descontados os dias de folga. Pois bem, voltando ao assunto, venho escrever justamente sobre o dito feriado que se aproxima.

O carnaval surge na Grécia em meados do ano 600 a 520 a.C. para agradecer aos deuses da fertilidade. No ano 590 d.C. a Igreja Católica anexa esta festa no calendário cristão como a festa do "Adeus a carne" ou do latim "Carna Vale" dando origem ao termo carnaval. Nesta época haviam festejos populares, cada um ao seu costume e local.

O carnaval moderno como conhecemos hoje surge na sociedade parisiense no século XIX, neste contexto surgem fantasias, festas, desfiles e etc. Este estilo foi importado para muitas cidades do mundo, tais como Nova Orleans, Toronto e Rio de Janeiro, esta ultima situada na costa brasileira, mistura este carnaval com escolas de samba, gênero musical criado no Brasil com raízes africanas. Este estilo de carnaval surgido no Rio de Janeiro é exportado para cidades como São Paulo, Tóquio e Helsinque - (Fonte).

Portanto, temos três principais razões para celebrar o carnaval: agradecer aos deuses da cultura grega da fertilidade, celebrar o adeus a carne no ponto de vista católico ou simplesmente um motivo de participar de uma festa cultural com samba, desfiles, fantasias e etc. O motivo do carnaval não é importante nessa postagem o que realmente importa são as causas desta festa. 

Alguns dados importantes sobre o período do carnaval: As indenizações pagas pelo DPVAT (Seguro de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre) entre 2009 a 2013 no período de carnaval aumentaram 116% - (Fonte), acidentes por causa de imprudência ao volante causadas por embriaguez causaram no carnaval de 2013 o número de 396 acidentes em rodovias federais ocasionando 191 feridos e 7 mortos - (Fonte).

Nesta época do ano aumenta-se a frequência de relações sexuais entre os participantes do carnaval, e, misturado ao álcool e outras drogas, acabam esquecendo dos métodos de proteção contra as DST's (Doenças Sexualmente Transmissíveis) apesar de não existir uma instituição ou uma pesquisa que mostre o número de casos contraídos na época do carnaval, as secretarias de saúde tentam minimizar os possíveis efeitos negativos do carnaval em relação as DST's por meio de campanhas conscientizadoras - (Fonte). Sem falar do consumo de drogas ilícitas, violência causada pelo excesso de álcool, crimes como roubos, destruição de patrimônio publico e etc.

Talvez com todos estes dados, não seria necessário comentar mais nada sobre o adeus a carne, porém, caso ainda seja preciso algum comentário, sigo com minha opinião;

  • Primeiro: Num sentido social temos um grande déficit no que tange as finanças publicas, ou seja, a maioria das prefeituras financia uma parte das festas carnavalescas com o pretexto de um momento cultural, temos como comentado o aumento das indenizações pagas pelo DPVAT, que é uma instância governamental, sem contar os gastos com todo o processo de socorro aos acidentados como ambulâncias, pronto socorros, cirurgias e materiais de enfermaria; pagamentos com o grande mutirão de limpeza nas ruas e assim por diante.

  • Segundo: No ponto de vista religioso temos uma festa que é denominada o adeus a carne, mas o que realmente aparenta é o "Olá a carne", pois, uma vez por ano é permitido fazer tudo aquilo que geralmente não se faz no resto do ano, um momento onde são libertos todos os desejos carnais contidos dentro do ser humano, e comete-se uma variedade de pecados, pois, estamos na época em que tudo isso é permitido, "justificável" e considerado como parte de nossa cultura.

Não quero aqui bancar o moralista santarrão, creio firmemente na graça de Deus apesar de nossas falhas, no entanto, é uma atitude que denota um desejo carnal intrínseco muito forte nas pessoas, pois, estas mesmas pessoas não se tornam pecadoras nesta época, mas apenas mostram quem realmente são no carnaval, por este motivo acredito que não houve transformação na vida de tal indivíduo, que, muitas vezes é cristão.

Por esses motivos sou contra o carnaval e todas as suas consequências, não sou a favor dos investimentos públicos com esta festa, pois, é dinheiro que nós, cidadãos damos por meio de infinitos impostos. Estes mesmos impostos deveriam ser aplicados em educação de qualidade, saúde, segurança, moradia e projetos sociais de real importância. E não com eventos que muitas vezes repudiamos.
       

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Dizemos "Não", mas falamos "Sim"

Por Natan Teodoro

Ultimamente tenho refletido sobre alguns discursos religiosos pregados em varias denominações, e me interpelo sobre alguns conteúdos um tanto quanto constrangedores para muitos cristãos. Assuntos estes que revelam o dinamismo das relações religiosas, neste caso cristãs. Dinamismo este que introduz um "mix religioso" nos mais variados contextos evangélicos e católicos.

Tecnicamente essa dinâmica aqui referida é chamada de sincretismo religioso. Basicamente, sincretismo religioso trata-se da inculturação inter-religiosa, onde praticas características de uma determinada religião é praticada sorrateiramente em outra religião, isto se dá pelo altíssimo trânsito religioso. Trânsito religioso é o nome que se dá quando há um grande número de pessoas indo de experiências religiosas para outras diferentes.

Neste constante movimento humano surge o sincretismo, pois, uma determinada pessoa que sai de uma religião leva consigo algumas características que adquiriu na antiga profissão de fé, e, quando parte para outra confissão de fé esta recebe outras doutrinas, porém, a mesma não deixou totalmente a antiga, neste caso cria-se uma mistura homogênea entre o novo e o velho aparecendo então uma pratica diferente, menciono prática, pois, oficialmente quase todas as denominações cristãs não aceitam essa mistura, no entanto, cotidianamente o quadro é diferente.

Um exemplo claro desse processo são as práticas da Igreja Universal do Reino de Deus, nesta pratica-se a sucção das maldições presentes no lar por meio de uma rosa abençoada, esta flor depois de um tempo é jogada fora junto com as maldições por ela sugadas. Outro exemplo nesta mesma instituição é o uso de sal grosso para "desintoxicação espiritual" do fiel que purifica-se das possessões demoníacas presentes em seu espírito. Essas práticas a pouco citadas são características obvias de religiões afro-brasileiras como o candomblé e a umbanda, muito presentes no Brasil.

Ainda no âmbito dos exemplos, temos o caso da Igreja Católica Carismática conhecida como Canção Nova, nas celebrações e missas realizadas por esta igreja é possível identificar canções evangélicas e práticas caracterizadas como propriedade exclusiva dos evangélicos, tais como o falar em outras línguas (glossolália), expulsar demônios, pregações enfáticas e em voz alta.

Estes foram alguns exemplos muito evidentes do sincretismo, porém, existem aqueles mais contidos como por exemplo no caso da Igreja Assembléia de Deus que doutrinalmente afirma o arminianismo, ou seja, o ser humano é responsável por buscar sua salvação ou entregar-se a perdição, tendo como pressuposto o total livre arbítrio. No entanto, é fácil ouvir numa das suas pregações afirmações como "você é escolhido de Deus", "Deus te trouxe até aqui", ou ainda "Deus te escolheu desde o ventre de sua mãe para estar aqui hoje", sentenças essas que são pronunciadas pelos que acreditam na predestinação, isto é, Deus predestinou uns para a salvação e outros para a condenação desde a fundação do mundo retirando assim toda a responsabilidade salvífica do ser humano, essa doutrina é encontrada entre os presbiterianos e outros grupos cristãos reformados.

Ainda na Assembléia de Deus, temos uma doutrina que foi prontamente negada desde sua criação, por volta da década de 1960, a saber a famosa teologia da prosperidade. De forma básica esta teologia propõe que Deus sendo rei, os seus filhos serão príncipes, estes devem participar das riquezas deste mundo, pois, sua condição de príncipes dá esse direito a eles. Este discurso foi inicialmente repudiado pelos assembleianos, porém, é comum notar frases pronunciadas no púlpito em tom de que Deus vai dar casas, carros, altos salários e outras riquezas, é só ser fiel a Deus, não pecar e dar o dízimo que, Deus abrirá os céus e te abençoará com as riquezas materiais deste mundo.

E, depois de todas estas observações o que podemos considerar? Existe um esforço muito grande por parte das denominações em crescer numericamente, justificando seus meios por este fim - crescer à moda do mundo - ou seja, aumentar o número de seus fiéis, crescer financeiramente e estruturalmente, tendo como estrutura os grandes templos, serem reconhecidos mundialmente por seu poder econômico e político. E com isto facilmente permitem outras experiências religiosas entrarem no rol de suas práticas, simplesmente pelo fato de moldar-se ao gosto do fiel que, nesta relação se torna consumidor de uma religião, e quando a mesma não lhe agrada este deixa de consumi-la e troca de prestador de serviço religioso, ou, traduzindo, muda de igreja, pois, a antiga não lhe encanta mais. Por isso notamos este grande "caldeirão" de diferentes práticas religiosas misturando-se umas as outras criando assim uma coisa totalmente inusitada, um híbrido sagrado que não se sabe ao certo quem é quem neste processo, então, assim como no episódio da torre de Babel (Gênesis 11) todos falam a mesma língua - crescer, enriquecer e mandar - será que Deus precisará confundir novamente as línguas dos homens e mulheres?

Obviamente existem aquelas religiões que se fecham em si mesmas e não conversam com ninguém, caso dos Testemunhas de Jeová e a Congregação Cristã. Eu acredito que as religiões devem conversar entre si buscando um ponto de equilíbrio entre o respeito e as diferenças, para, com isso, crescer espiritualmente e aprender com o diferente, porém, misturar-se assim como está acontecendo é uma tentativa vã, que não levará em lugar algum, assim como fechar-se para o mundo no extremo do exclusivismo é manter-se como que com um cabresto, onde não se permite descobrir-se e ser uma pessoa melhor, um cristão melhor, e, mesmo que venha mudar as práticas religiosas por influências externas, que as vezes não é ruim, para que seja oficial, assumido, tendo uma atitude de coragem e sinceridade.

Por estes motivos afirmo que precisamos voltar ao exemplo de Jesus Cristo: "Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e, achando-se na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até a morte, e morte de cruz" (Filipenses 2,6-8).

Neste texto notamos a humildade do próprio Deus que, destituiu-se da sua própria glória, não tendo medo dos homens o acharem fraco, sem poder, um péssimo Deus, não, pelo contrário, a lógica do Reino de Deus é a do serviço mútuo, do se colocar abaixo do próximo, de entender que o outro é mais importante do que o eu, de trabalhar pelo Reino de Deus simplesmente por gratuidade e não por recompensas; este é o caminho que as igrejas deveriam seguir, o caminhar na lógica de Deus e não na lógica do mundo.